Trabalho propõe uma análise crítica do papel da confissão na formação do sujeito feminino,
mostrando como esse ritual se mantém como um operador de poder e normatização social
Na doutrina Católica, o ato de se confessar é um sacramento em que os fiéis admitem seus pecados a um sacerdote crendo receber o perdão divino. No livro “O Ritual da Confissão: educar um feminino”, a ação recebe o olhar crítico e analítico da professora Rosângela Tenório de Carvalho, do Centro de Educação da UFPE. Muito além de uma manifestação religiosa, a autora investiga a confissão como um mecanismo cultural e social que perpetua papéis femininos específicos. Ela o analisa como um dispositivo de subjetivação das mulheres que molda identidades e reforça normas de gênero. “Este não é, contudo, um ensaio sobre religião. Conforme dito, é uma reflexão sobre uma de suas práticas na qual estão incorporadas formas de governo dos sujeitos, no caso específico do sujeito de gênero mulher”, destaca na introdução da obra. O E-book está disponível para download no site da Pedro e João Editores.
A docente afirma que a opção por essa temática resultou do seu desejo de “reiterar críticas que ela vinha realizando no campo dos estudos feministas e de gênero sobre atribuições de uma essência do ser mulher, em particular, aquela que reafirma a sua função de reprodução e responsável pela coesão social, e mostrar um operador de gênero em ação – o ritual da confissão – indicando possíveis efeitos nos modos de subjetivação feminina”. Carvalho sugere que é preciso desconstruir esses mecanismos para permitir novas formas de subjetivação feminina mais livres e plurais. “Na impossibilidade da concretização plena de um código de inteligibilidade de gênero, refletir também sobre como ocorrem os efeitos desses discursos na produção de contextos discursivos em diferentes domínios da vida social na modernidade e na pós-modernidade”.
A partir de autores como Michel Foucault e Judith Butler, a autora argumenta a confissão como ritual performático. Um ato que disciplina e educa as mulheres dentro de um ideal cristão de feminilidade, operando por meio de práticas discursivas e gestuais que reforçam a culpa e a necessidade de purificação da mulher. “É dessa problemática que trata O Ritual da Confissão: educar um feminino, um impulso para especular sobre como o ritual da confissão opera como uma ação performática na produção de contextos de circulação de códigos de inteligibilidade de uma pretensa essência feminina, um substrato do ser mulher”.
O livro também analisa a influência dos mitos religiosos, apresentando temas como o pecado original e outros relatos que moldam percepções sobre o papel da mulher na sociedade. “A disciplina dos corpos femininos por intermédio da docilidade arrogada pode ser lida em fotografias. É desse tema que trata este ensaio. Uma reflexão sobre estereótipos de gênero também na fotografia. Inspira-se em estudos sobre fotografia, ritual, performatividade e gênero. As imagens são não apenas testemunhos, mas também enunciados que reiteram condutas”.
Outra reflexão suscitada no estudo relaciona a confissão à educação. Carvalho analisa como as práticas confessionais se infiltraram na educação e na escolarização, influenciando a forma como meninas e mulheres são ensinadas a se comportar. Assim, a obra reflete a influência religiosa na vida pública, destacando seu impacto nas discussões sobre gênero, corpo e sexualidade feminina.